Habitar entre vinhas e o Atlântico - Complexo Habitacional
O lugar de contacto com a Cerca do ex-Mosteiro e com a Quinta do Marquês é mediado por espessos muros setecentistas, e a imagem da paisagem constrói em nós a percepção de habitar entre as vinhas que sempre caracterizaram a região de Lisboa, e a foz do Tejo, em que este se entrega ao Oceano. Talvez por isso as brisas matinais nos tragam o cheiro húmido e marítimo, que inunda as vinhas e as casas, transportando estes lugares distantes já da costa, para a visão próxima que temos do mar.
Dentro, as habitações relacionam-se com os diferentes quadrantes, incidências solares, temperaturas de luz e quadros de vista, beneficiando da zona de bacia do Tejo, das vinhas por perto, sentindo os encontros complexos com o Atlântico que caracterizam o território. Na proposta de habitar contemporâneo, a transversalidade da casa, na sua redução de elementos de encerramento, estruturais e espaciais, permite que a espacialidade ganhe o protagonismo, amparando a flexibilidade de vivências e, com isso, a imprevisibilidade da vida.
O lote no qual se procura implantar este conjunto de três edifícios, articulados entre si, completando os alinhamentos pré-existentes, e mirando a paisagem imediata e distante, corresponde ao ponto mais alto da encosta urbanizada. Concebido com um chão horizontal, que artificialmente prolonga a cota superior do terreno, e gera ocupação inferior para estacionamento, recebe os três corpos flutuantes que mal o tocam. Este chão não ilude: a superfície recebe os fluxos e movimentos que o atravessam, acedem às suas entradas, espraiam-se na superfície relvada, procuram as sombras fresca da nogueira alta ou das macieiras da pequena colina, mas revela também as suas entranhas de estacionamento organizado. Os seus ângulos mais elevados dobram-se em escadaria que atinge o passeio da rua, ou cobrem a entrada para o café na plataforma superior. A sua cota é próxima das plataformas de terra existentes que estruturam os jardins contíguos, integrando mais este espaço de embasamento na sequência central, aberta para o mar.
Um programa público de habitação e residência de estudantes com esta dimensão constitui uma oportunidade ímpar de restabelecimento de uma lógica arquitectónica e urbana de relação directa com o território e a paisagem onde se insere, promovendo continuidades de paisagem por um lado, e de encontro público, por outro. A contemporaneidade deste gesto poderá reatar o passado perdido e promover um significativo futuro.
Localização: Carcavelos, Portugal | Área: 19.038 m2 | Arquitectura: João Carmo Simões com Vega Solaz Soler e Marta Tornelli | Arquitectura Paisagista: João Gomes da Silva (Global) | Estrutura: Eng. António Adão da Fonseca (ADF Engenheiros Consultores) | AVAC e Térmica: Eng. Raul Bessa (GET) | SCI + ITED: Eng. António Romano (Sincrono)